História recente da empresa tem inúmeros casos de corrupção, mas modelo de governança não impede novos escândalos, escreve Henrique Jäger

A governança corporativa da Petrobras sofreu inúmeras alterações depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), supostamente para evitar que problemas identificados no passado se repetissem. Não restam dúvidas que os sistemas de governança têm convivido com modernizações constantes para aperfeiçoar a gestão das corporações e, por isso, é prudente que ocorram revisões na governança.

Todavia, diferentemente do que se imaginava, no caso da Petrobras tais mudanças passaram menos pelo fortalecimento dos instrumentos de compliance e integridade e mais pela transformação da empresa no que o mercado financeiro convencionou denominar de “uma máquina de pagamento de dividendos”. De 2021 ao 1º semestre de 2022, a empresa lucrou R$ 205,93 bilhões e pagou R$ 237,6 bilhões de dividendos. A maior parte destes recursos ficou com os acionistas minoritários, 64%, sendo 44% com acionistas estrangeiros.

Os sistemas de governança corporativa ganham cada vez mais destaque nas corporações, sejam públicas ou privadas. Não há um modelo único e, a depender das decisões, pode-se privilegiar um ou outro grupo de interesse, ou mesmo se buscar o equilíbrio entre estes. Como os acionistas são um grupo importante na estrutura social das empresas, pois investem seus recursos assumindo os riscos inerentes ao negócio, devem ser remunerados e, mais importante, devem ter um papel na governança. Porém, isso não significa que só devem prevalecer os seus interesses. Afinal, há outros stakeholders que são centrais em uma companhia, especialmente quando se trata de uma estatal, que é controlada pelo Estado que representa, ou deveria representar, os interesses da sociedade como um todo.

O sistema de governança corporativa da Petrobras passou por profundas mudanças nos últimos anos que romperam com o modelo que buscava o equilíbrio entre os objetivos das diversas partes interessadas. Este equilíbrio envolvia a distribuição crescente de dividendos e mais: o crescimento contínuo da empresa, pela atuação em todo o território nacional, assegurando o abastecimento de combustíveis líquidos e gasosos, a presença em todos os segmentos da indústria do petróleo e gás natural, privilegiando as compras de bens e serviços no mercado interno, investindo em inovação, tecnologia e energias renováveis e precificando seus produtos não só com base nos valores de importação, mas também na sua estrutura de custos, entre outros.

De meados de 2016 em diante, um outro modelo de governança foi implantado, centrado na financeirização da governança, com a empresa orientada para atender quase que exclusivamente os objetivos dos acionistas minoritários, mesmo que em detrimento da população como um todo. O novo modelo contou com a adoção da política de preços de paridade de importação (PPI) e a concentração das atividades da empresa na região Sudeste e na produção de petróleo no polígono do pré-sal.

Ou seja, focou-se completamente na produção de riqueza no curto prazo, por meio da produção exclusiva de hidrocarbonetos e derivados, colocando-se em risco o futuro da empresa. Esse modelo se sustenta a médio prazo ou a troca constante de presidentes (foram 6 nos últimos 6 anos) é reflexo da instabilidade criada por essa opção?

O caminho para a estabilidade na empresa é voltar a construir as bases para um modelo de governança que busque equilibrar os interesses entre os diversos atores sociais envolvidos. O Estado brasileiro, que detém mais de 50% das ações com direito a voto da Petrobras, deve voltar a controlar a gestão também. O Estatuto Social da Petrobras tem que refletir essa situação. Os excessos cometidos em nome de melhorias na governança, como a nova política de remuneração dos acionistas, devem ser revistos, sem a companhia renunciar a um modelo robusto de compliance e integridade, com monitoramento e aperfeiçoamento contínuo.

Na verdade, segundo as regras de compliance e integridade, as empresas são entes jurídicos administradas por pessoas comprometidas com a criação de valor, não necessariamente econômico, que, a depender das capacidades de planejamento e execução dos seus gestores, realizam ações pré-planejadas e continuamente revisadas com o intuito de atingir determinado objetivo. A “construção do futuro” é determinante para o alcance das metas e a sua sobrevivência, mas o passado tem que ser uma referência importante para que erros cometidos não sejam repetidos.

No entanto, a conformidade e integridade da Petrobras (parte importante do sistema de governança corporativa) parece que vai em sentido contrário ao aprendizado com o passado. Os escândalos de corrupção envolvendo funcionários de carreira da empresa, que durante anos ocuparam as manchetes dos principais meios de comunicação do país e que ensejaram o fortalecimento dos mecanismos de controles interno (que vêm sendo flexibilizados de uma maneira perigosa), parecem que não melindraram os administradores da estatal no governo Bolsonaro.

Novos escândalos não foram repelidos pelo novo modelo de governança. Entre eles se destacam: o caso de uma diretora cuja indicação feria os critérios definidos pelo estatuto social da empresa e deram um jeitinho para resolver; o não cumprimento, pelo presidente da companhia, da decisão da diretoria de compliance e integridade de demitir por justa causa o gerente executivo de RH (que está sendo investigado pela CVM); e a eleição, na última assembleia de acionistas, de conselheiros em desacordo com a Lei 13.303/16 e o estatuto social da companhia.

A governança corporativa da Petrobras não deve ser utilizada como instrumento para grupos específicos sequestrarem a gestão da empresa e orientarem a mesma para o atingimento de seus objetivos particulares, como vem ocorrendo em benefício dos acionistas minoritários. Não menos importante, o sistema de controles interno deve ser continuamente aprimorado com o intuito de inibir efetivamente práticas nocivas, como as destacadas acima. Os gestores da empresa têm que aprender com o passado.

* Texto de autoria de Henrique Jäger. Publicado em Poder 360.